sábado, 27 de outubro de 2012

TERTULINA, A COZINHEIRA DE VOVÓ MADALENA - UMA EXTRAORDINÁRIA. MULHER!

Lúcia Helena e vovó Madalena, no terraço da casada Hermes da Fonseca, 700, Tirol - foto 1957, numa das tantas e tantas vezes que eu chegava do colégio e corria para ver vovó (nossas casas eram vizinhas).


TERTULINA

Não se dizer quando Terta ( Tertulina ou Tertinha) chegou para trabalhar na casa dos meus avós paternos (os únicos que conheci). Eu saí de Ceará-Mirim antes de completar os sete anos e Terta já existia.
Ainda me lembro do sabor da comidinha feita por Terta. Fazia o trivial, porém, saboroso, bem preparado e estava sempre com um ar de muita paz. Na casa dos meus pais a comida também era deliciosa, mas, como diz o velho adágio: " A galinha do vizinho é bem melhor", isso é verdade.
Terta era loura e longilínea, sua voz era grave e terna, os gestos sempre de carinho para todos, até com a impertinência de vovô Olympio.
De Tertulina jamais esquecerei a carne picadinha torrada. Depois de pronta ela despejava pedaços de cenoura, batatinha e gerimum, já cozidos. O arroz-de-leite era insuperável e servido, sempre, com carne de sol assada e moída. O sarapatel exalando  um cheiro inesquecível, quando já bem cozido, na panela de barro ou alumínio, Terta colocava coentro e cebolinha verde por cima e tampava. O vapor cuidava de fazer a sua parte amolecendo os temperos. Antes de ir para a mesa, numa tirrina de louça ou vidro, ela colocava tomates inteiros e pré-cozidos. O visual era agradável.
Sempre fui um bom garfo. As empregadas de mamãe eram ótimas e se esmeravam nos doces, canjicas, pamonhas, feijoada, cozido, galinhada, galinha à cabidela,  peru cevado no quintal e depois, muito bem temperado e assado. Que deliciosas comidas!

Ainda do talento culinário de Tertinha, lembro-me do preparo de uma iguaria que jamais comi em nenhum outro lugar: ela dava uma refolgada nos pedaços de carne com ossos de tutano e colocava para cozinhar com todos os temperos, por fim, jogava os legumes. Eu gostava de ver aquele fogão à lenha com as panelas nas seis bocas fervendo.

 Na casa de vovó, a cozinha ficava já perto do quintal, as paredes tinham combogós e me lembro dos galhos das árvores abanando-se contra a inclemência do sol e fazendo piruetas como artistas plásticos fazem com pincéis. Eu ficava acompanhando aquele malabarismo enquanto o sol esbanjava seu poder. Vez ou outra, Terta saía de junto do fogão e dava uns passos pelo quintal, trazia tempero verde e tomates lindos, hortelã, tudo plantado por ela. Ao retornar ao fogão, mexia a carne com uma grande colher de pau, colhia um pouco do caldo e colocava na palma da mão para provar, em seguida, colocava pedaços de milho que cozinhariam juntamente com a forte iguaria. Tudo pronto, a mesa ficava com um lindo visual e a refeição perfeita, acompanhada de refresco de cajá, do quintal. Falando nisso, à época não havia liquidificador e Terta espremia os cajás sobre uma peneira, mexia, coava e colocava numa jarra - uma maravilha.
Do peixe (jamais suportei), camarão, carnes, galinhas e tudo o mais, ficou em mim o saboroso e farto cardápio da querida Tertulina, com o pano amarrado aos louros cabelos. Ela não era jovem, mas tinha um olhar doce e firme, mãos calejadas e a voz bem grave.
Quando vovó adoeceu e teve que amputar uma perna, ela chorava e dizia: "vou fazer muito caldo pra dona Madá...e ela vai andar de novo"...


AS VERDURAS DO COZIDO
O COZIDO DE CARNE COM MILHO
A GALINHA OU CAPÃO, SURPREENDIDO NO QUINTAL E PREPARADO COM OS COUROS, SEM JAMAIS FALTAR UMA FOLHINHA DE HORTELÃ GRAÚDO...
O cuscuz preparado por Terta , embebido no leite de coco - Deus, que coisa boa -. Por umas duas vezes comi cuscuz paulista no apartamento de Camilo Barreto e Anna. Saboroso e bem preparado!
 Naqueles momentos lembrava-me dos meus tempos de ontem com a mesa da casa dos meus pais. 
Uma noite, com o casal querido, já no apartamento da Rodrigues Alves, deliciei-me com a farta mesa numa ceia bem regional. Camilo Barreto a dizer, pilheriando, que tudo ali tinha sido preparado por ele! Um homem bom, agradável (como tantas vezes testemunhei)!
Momentos de emoção quando recordo e choro!
A carne picada, onde Terta colocava cenoura, batatinha e gerimum, servindo com farofa de cuscuz e "arroz pegado".
 
A sopa de legumes com bastante tomate.

Sempre que passo diante do local onde foram construídas a casa de vovó (*) e de papai, na Hermes da Fonseca, tenho a impressão de que aquele fogão está lá, fumegante, panelas fervendo e o almoço vai  servido com todas aquelas delícias.
Ou, quem dera, tomando uma sopinha de legumes, comendo cuscuz com leite de coco...
Fecho os olhos para ver melhor e pesco o sol para bordar a paisagem distante onde Terta e vovó se encontram, certamente,
onde as nuvens, pintadas de um azul inigualável, trazem, no mistério das coisas impressentidas, todo o fascínio de um tempo mágico, cheio de luz e sonho!

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(*) Maria Madalena Antunes Pereira

Um comentário:

  1. Que maravilha...Por incrível que pareça, conheço todas essas iguarias e tive uma infânca e uma adolescência mais ou menos comendo estas gostozuras, sem falar nas advindas do engenho como alfinin; mel; batida e rapadura de uma qualidade invejável lá do Açude dos Alves, propriedade da família de meu Pai. Na Moagem lembro que se fazia muito corredor de Boi, com pirão de cuscus...Capão me lembrou dos partos de minha mãe e demais da família...eram cevados no xiqueiro por vários meses...uma maravilha..Beijos..Palitot

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